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Justiça concede habeas corpus coletivo impedindo prisão por cultivo de maconha para uso medicinal

O ineditismo da medida se dá pelo fato de o habeas corpus ser o primeiro para esse tipo de pedido concedido na esfera criminal.

SÃO PAULO - Uma associação que reúne pacientes que fazem tratamentos à base de derivados da maconha obteve na Justiça o primeiro habeas corpus coletivo do país que inibe a prisão de seus associados após cultivo da planta.

O ineditismo da medida se dá pelo fato de o habeas corpus ser o primeiro para esse tipo de pedido concedido na esfera criminal. O HC coletivo é um instrumento processual que visa resguardar os direitos de um determinado grupo.
 
Desde a última sexta-feira (5), as Polícias Civil e Militar estão proibidas de realizar a prisão em flagrante dos associados e dos responsáveis da Cultive –Associação de Cannabis e Saúde, com sede na cidade de São Paulo.
 
Na prática, os integrantes da entidade não poderão ser presos pela realização do plantio e da produção de medicamentos à base de cânabis e nem por fornecer mudas da planta a seus associados que possuam ordem judicial para tal finalidade.
 
Em seu despacho, a juíza Andrea Barrea, do Departamento Técnico de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária, do Tribunal de Justiça de São Paulo, também proibiu a apreensão de equipamentos e componentes da cânabis utilizados pelos 21 associados da organização.
 
Todos os associados, segundo a magistrada, possuem laudos médicos que comprovam a necessidade do uso de substâncias extraídas da maconha para tratamentos contra epilepsia, dores crônicas, autismo e doença de Parkinson, entre outras.
 
Antes do habeas corpus coletivo favorável da Justiça paulista, as associações Abrace, Apepi e Canapse já tinham obtido na Justiça Federal da Paraíba e do Rio de Janeiro autorizações judiciais para cultivar maconha para fins medicinais -mas todas elas foram proferidas na esfera cível.
 
"Diferentemente das ações da esfera cível já promovidas, esta decisão representa o reconhecimento da Justiça criminal de que cuidar da própria saúde não pode ser considerado crime", diz o advogado Ricardo Nemer, um dos integrantes da Reforma (Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas) que assinam o pedido de habeas corpus.
 
Os advogados da Reforma são os responsáveis por boa parte dos habeas corpus individuais que têm permitido em várias partes do país o uso da cannabis em tratamentos específicos.
 
Para a juíza, o HC movido pela entidade busca "a efetivação do princípio da dignidade, bem como dos direitos à vida e à saúde, os quais devem prevalecer sobre a proibição de se cultivar a planta de onde se extrai a substância utilizada especificamente para o tratamento dos pacientes em um contexto de necessidade, adequação e proporcionalidade", escreveu.
A magistrada afirmou ainda que a inércia do Estado em criar legislação sobre o tema não pode servir de obstáculo à concretização do direito fundamental à saúde.
 
Barrea autorizou que a Cultive produza até 448 plantas de cânabis por ano, número suficiente para promover o fluxo contínuo do extrato da planta aos associados da entidade.
 
O cultivo, realizado até então na casa dos diretores da associação, era considerado irregular. Após o HC, ele passa a ser feito num espaço alugado, diz Fábio Carvalho, cultivador e diretor da entidade. "Com mais estrutura, conseguiremos mostrar que é possível ter um cultivo coletivo, artesanal e de muita qualidade a baixo custo para aqueles associados que não conseguem ou não sabem produzir."
 
Nos autos, a Polícia Civil de São Paulo se mostrou preocupada com a fiscalização da plantação da cânabis sob a responsabilidade da Cultive, que pode atingir proporções muito maiores do permitido.
 
"[Também] não é possível desprezar eventuais desvios dolosos, culposos, ou até mesmo não intencionais, como em hipótese de furto ou roubo das substâncias por terceiros, tendo em vista o grande consumo dessa droga de maneira ilícita", afirmou a Polícia Civil.
 
A PM afirmou que "a via estreita do habeas corpus exige prova constituída e do abuso de poder reclamado, o que não se percebe no caso". O Ministério Público também disse que o pedido não deveria ser apreciado por meio de habeas corpus.
 
Mas a juíza Andrea Barrea entendeu que não existe indício de que o ato de semear, cultivar e dispor da maconha seja compatível com o crime de tráfico de entorpecentes. "Ao contrário, dos autos extrai-se que o cultivo da planta decorre de razões médicas e humanitárias, conforme se depreende dos relatórios médicos", argumentou.
 
A Cultive terá de fornecer relatórios semestrais sobre a necessidade de continuação do tratamento, via cânabis, de seus 21 associados "a fim de obter renovação do salvo-conduto". A plantação também passará por fiscalizações periódicas das autoridades policiais.
 
Em caso de recurso, o HC poderá ser novamente analisado por colegiado do TJSP.
 
Revestir 340 (variedades) - 10/02/2021
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