- Atualizado em 17:45

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Mandetta diz na CPI que Planalto tentou mudar bula da cloroquina

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta falou por mais de sete horas e disse que alertou Bolsonaro sobre o colapso na saúde.

BRASÍLIA - A CPI da Covid ouviu nesta terça-feira (4) o primeiro depoimento. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta falou por mais de sete horas e disse que o presidente Jair Bolsonaro desprezou recomendações da ciência e que o Planalto tentou mudar a bula da cloroquina, medicamento que não tem eficiência contra o vírus.

O ex-ministro Mandetta começou listando as medidas adotadas por ele nos três meses de enfrentamento da Covid em que estava à frente do ministério, de janeiro a abril de 2020. Citou a entrega a estados e municípios de 15 mil UTIs com respiradores e a aprovação pelo Congresso de uma lei com regras para aplicação da quarentena no país e com medida de isolamento social.

Em seguida, passou a responder a perguntas. Primeiro, do relator da CPI, Renan Calheiros, do MDB. Mandetta foi demitido do ministério pelo presidente Jair Bolsonaro em abril de 2020, por divergências no enfrentamento da pandemia. O relator quis saber que divergências foram essas.

Primeiro sobre a testagem. Mandetta disse que pretendia implantar testagem em massa, o que nunca aconteceu: “Disparamos o processo de aquisição com todas as dificuldades, mas isso só foi recebido, só foi assinado o recebimento dos testes já era o ministro subsequente, o ministro Teich, e depois eu soube que os testes não foram… Essa estratégia não foi utilizada.”

Renan também perguntou como o presidente Bolsonaro reagia ao tratar da previsão de doentes e mortes pela Covid.

“Todas as vezes que a gente explicava, eu não era voz solitária, tinha concordância de um número enorme de pessoas. O presidente compreendia. Mas, passavam-se dois, três dias, ele voltava para aquela situação de quem não havia talvez compreendido, acreditado, apostado. Era uma situação dúbia”, disse Mandetta.

Luiz Henrique Mandetta revelou à CPI que, em março de 2020, a menos de um mês de deixar o Ministério da Saúde, ele entregou uma carta ao presidente Bolsonaro alertando sobre a gravidade da situação. Mandetta disse que tentava convencer o presidente a mudar de posicionamento e adotar medidas baseadas na ciência para combater a pandemia.

Na carta, entregue à CPI, Mandetta afirmava: “Em que pese todo esforço empreendido por esta pasta para proteção da saúde da população e preservação de vidas, as orientações e recomendações não receberam apoio deste governo federal, embora tenham sido embasadas por especialistas e autoridades em saúde, nacionais e internacionais, quais sejam o isolamento social e a necessidade de reconhecimento da transmissão comunitária.” E fazia uma previsão: “Uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população.”

Diante dos senadores, Mandetta disse que havia uma grande diferença entre ele e o presidente Bolsonaro sobre a questão do isolamento e o uso da cloroquina, medicamento que, segundo a ciência, não tem eficácia contra a Covid. Como, segundo o ex-ministro, o presidente não seguia suas recomendações, supunha que tenha sido orientado por outras pessoas.

“É que havia, por parte do presidente, um outro olhar, uma outra decisão, um outro caminho que ele decidiu, do seu convencimento, não sei se através de outros assessores, de pessoas que não estavam ali no Ministério da Saúde. Mas, do Ministério da Saúde, nunca houve nenhum assessoramento naquele sentido de embasar aquelas medidas. Pelo contrário, era muito constrangedor até para um ministro da Saúde ficar explicando que nós estávamos indo por um caminho e o presidente estava indo por outro”, disse Mandetta.

Mandetta afirmou que um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, participava de reuniões da presidência para discutir o combate à pandemia e que, numa dessas reuniões, viu que havia sobre a mesa uma proposta de mudar a bula da cloroquina para dizer que o medicamento era adequado ao combate à Covid.

“Eu, por exemplo, testemunhei várias vezes reunião de ministros em que o filho do presidente, que é vereador no Rio de Janeiro, estava sentado atrás tomando as notas da reunião. Eles tinham constantemente reuniões com esses grupos dentro da presidência. Eu estava dentro do Palácio do Planalto quando fui informado, após uma reunião, que era para eu subir para o terceiro andar porque tinha lá uma reunião de vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina, que nunca eu havia conhecido. Quer dizer, ele tinha um assessoramento paralelo. Nesse dia, havia sobre a mesa, por exemplo, um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido, daquela reunião, que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação de cloroquina para coronavírus. E foi, inclusive, o próprio presidente da Anvisa, Barra Torres, que estava lá, que falou: ‘isso não’ e o ministro Jorge Ramos falou: ‘não, não, isso daqui não é nada da lavra daqui. Isso é uma sugestão.’ Mas é uma sugestão de alguém. Alguém pensou e se deu ao trabalho de botar aquilo num formato de decreto”, revelou o ex-ministro.

As fotos distribuídas pelo próprio Palácio do Planalto mostram Carlos Bolsonaro na mesa principal. Na reunião do presidente com governadores do Nordeste em 23 de março de 2020, faltou lugar na mesa para alguns ministros, mas não para o vereador, filho de Bolsonaro.

O segundo a perguntar foi o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, da Rede. Ele quis saber quem no governo dificultou mais o trabalho de combate à pandemia. Mandetta citou o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e outro filho do presidente.

“Eu tinha um ministério de Relações Exteriores que eu precisava muito, porque eu era dependente de insumos que estavam na China, insumos que eu tinha que trazer para dentro do Brasil. Então era mais que necessário que tivéssemos bom diálogo com a China. Então eu tinha dificuldade com o ministro das Relações Exteriores. O outro filho do presidente, o deputado Eduardo, ele tinha rotas de colisão com a China através de tuítes, um mal-estar. Fui até um certo dia até o Palácio do Planalto, eles estavam todos lá, os três filhos do presidente e mais assessores que são assessores de Comunicação. Disse a eles: ‘Olha, eu preciso conversar com embaixador da China. Eu preciso que ele nos ajude.’ Pedi uma reunião com ele: ‘Posso trazer aqui?’ ‘Não, aqui não.’ Eu acabei fazendo por telefone, eu ia fazer essa reunião na Opas que é um mecanismo internacional.”

Randolfe também perguntou se o Brasil poderia ter evitado a tragédia que o país vive hoje e se sofreu pressão do presidente Bolsonaro.

“Se o Ministério da Saúde foi pressionado, primeira pergunta, não. Ele foi confrontado. Foi publicamente confrontado. Isso dava uma informação dúbia para a sociedade. O objetivo do Ministério da Saúde era dar uma informação, o presidente dava outra informação. A tragédia, sim, o Brasil poderia mais. O SUS poderia mais, a gente poderia mais. Poderíamos estar vacinando desde novembro de 2020 e essa campanha ‘O Brasil não pode parar', isso apareceu e saiu muito rápido", afirmou Mandetta.

O senador Tasso Jereissati, do PSDB, quis saber se Mandetta deixou claro para o presidente Bolsonaro as consequências de o Brasil não seguir o que estava sendo feito em outros países: “Ele tinha consciência que não adotando as posições científicas aceitas mundialmente as consequências poderiam ser uma mortandade em enorme escala no Brasil? O senhor alertava ele das consequências da não obediência a esses ditames internacionais?”

Mandetta respondeu que apresentou ao presidente uma avaliação que previa a morte de 180 mil pessoas até o fim de 2020: “Alertei sistematicamente, inclusive fazendo as projeções. A projeção de 180 mil óbitos até 31 de dezembro, na verdade nós tivemos 191 mil, nós erramos por 11 mil. Eu dei por estado e por cidade.”

Os senadores governistas tentaram apontar problemas na gestão de Mandetta. Ciro Nogueira, do Progressistas, questionou se Mandetta orientou a população a só procurar atendimento médico em situações mais graves. Segundo os governistas, a medida é danosa porque impede atendimento no início dos sintomas.

Ciro Nogueira leu a pergunta: “Em sua gestão, o senhor chegou a recomendar que as pessoas com sintomas da doença não procurassem atendimento médico. Elas deveriam permanecer em casa e a frase um pouco difícil para pessoas que querem acreditar na ciência: ‘fazendo orações, tomando chá e canja de galinha’. O hospital ou posto de saúde somente deveria ser procurado em caso de febre alta ou desconforto respiratório.”

“Senador Ciro Nogueira, ontem eu recebi essa pergunta exatamente nessa íntegra do ministro Fábio Faria. Acho que ele inadvertidamente mandou para mim a pergunta, quando eu ia responder, ele apagou a mensagem. Então, vou responder para o senhor, mas também para o meu amigo, que foi parlamentar comigo, ministro Fábio Faria. Olha, quando a gente tem uma doença viral, você tem alguns princípios. Primeiro é, temos vacina? Não temos. Temos medicamento retroviral? Não temos. Como vamos conduzir? Vamos observar o paciente, vamos vê-lo, vamos cuidar desse paciente. Ontem, até por conta dessa pergunta, eu fui ver qual é a recomendação da OMS e do Ministério da Saúde. Ela é exatamente: entre em contato com seu provedor de saúde imediatamente se você sentir os sinais de perigo: dificuldade de respirar, perda da capacidade de fala, confusão, dor no peito. De cada 100 pessoas, 85 vão evoluir bem”, respondeu Mandetta.

O líder do governo, Fernando Bezerra, do MDB, defendeu Bolsonaro: “Eu sei que Vossa Excelência vai ter muita dificuldade para poder provar dolo, intenção, má-fé em relação às ações ao governo brasileiro. O governo pode ter tido falhas, cometido equívocos, pode ter mal avaliado, mas nós vamos assistir no curso deste ano as iniciativas se provarem acertadas. Eu não tenho dúvida nenhuma que, logo logo, tanto o Butantan quanto a Fundação Bio-Manguinhos vão nos dar a tão sonhada autonomia para produção da vacina aqui no Brasil.”

No final da sessão, Mandetta disse que a segunda onda poderia ter sido menor ou até mesmo evitada: “Teríamos feito muito melhor. Essa segunda onda que nós estamos passando é o ápice desse tipo de decisão tóxica, equivocada. Se tivéssemos tido a oportunidade de dar exemplo, de fazer uma coisa que se chama educação em saúde, promoção em saúde, que é feita não só pelo ministro, não só pelo presidente, mas é feita pelos ídolos, pelos atletas. Assim que nós fazíamos, por exemplo, vacina do Zé Gotinha, era o Ronaldinho. Utiliza-se o que o país tem de melhor para unir. Eu acredito que teríamos tido uma onda muito menor e, principalmente, se tivesse uma equipe técnica, tinha adquirido vacina, essa segunda onda não teria acontecido. Teria sido suprimida por vacinas.”

A assessoria do ministro Fábio Faria disse que ele fez a sugestão de pergunta lida pelo senador Ciro Nogueira e que publicou nas redes sociais o mesmo questionamento. Nós procuramos o Palácio do Planalto para comentar a declaração do ex-ministro sobre a entrega da carta, mas não obtivemos retorno.

 
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